* Maria Fernanda Vomero
As pessoas foram chegando pouco a pouco na escola da Lapinha, zona rural do município de Morro do Pilar, na Serra do Cipó, Minas Gerais. Era uma bela noite de sábado. Enquanto os últimos ajustes na tela eram feitos, as crianças começavam a se acomodar na lona estendida sobre a grama. A artesã Liza, uma das moradoras e líder comunitária, decidiu estourar pipoca para a turma. A ansiedade era grande – de Nélio, que organizara aquela sessão de cinema a céu aberto, e dos espectadores locais. Afinal, a maioria deles jamais havia pisado numa sala escura para assistir a um filme.
O primeiro curta-metragem foi “Galinha ao Molho Pardo”, de Feliciano Coelho, e risadas, lágrimas contidas, suspiros, surpresas e mais risadas continuaram na hora e meia seguinte de sessão, que terminou com “Uma História de Futebol”, de Paulo Machline, e incluiu também algumas obras de animação, como o divertidíssimo “Calango Lengo”, de Fernando Miller. A pipoca foi toda embora – e os moradores, ao se despedirem, agradeciam satisfeitos pela novidade. “Vai ter mais?”, a garotada queria saber.
Na noite seguinte, a sessão mudou de lugar. O fusquinha azul de Juli Buli, base de apoio para a telona, seguiu para a pracinha atrás da igreja principal de Morro do Pilar. A mesma ansiedade do dia anterior: ufa, finalmente o carreto com as cem cadeiras de plástico chegou, puxa, onde está o projetor, ih, vai ter um bingo no mesmo horário, ai, será que o padre vai achar ruim? A missa dominical da noite mal acabou, e a multidão começou a se aproximar da tela brilhante. Em minutos, a praça estava lotada. “Fui ao cinema apenas uma vez em Belo Horizonte”, disse Richard. “Eu, nunca”, falou Diana. Uma senhorinha que estava próxima também confessou: "jamais havia visto uma projeção, ainda mais a céu aberto". O pároco também se encontrava por lá, sentadinho no meio do público, atento. E a lona, de novo estendida diante da tela, abrigava uma criançada inquieta. Mas bastou o fusquinha de mentira despontar na tela, na vinheta de abertura da sessão, para o silêncio tomar conta da praça. E, em seguida, as risadas, as lágrimas contidas, suspiros, surpresas e mais risadas. Tudo sob um céu estrelado.
“Vocês voltam na semana que vem?”, perguntou Richard. “Mas que maravilha! Muito obrigada”, três senhoras não paravam de repetir. Foi lindo ver aquela gente de todas as idades, alguns com a vaga ideia do que era cinema, os olhos fixos na tela, às vezes até sem respirar, voltando satisfeita para casa.
“É como dar um presente, partilhar com as pessoas algo que eu acho muito legal”, afirma Nélio Costa, idealizador, curador e produtor do Tela em Trânsito, mostra itinerante de curtas-metragens em pequenas cidades do interior do estado. “Fiquei observando a reação deles, a luz da tela refletida nos olhos do público"...
As crianças da Lapinha, na manhã seguinte, comentavam com detalhes os curtas que mais tinham gostado. Uma senhora me procurou, depois da projeção em Morro do Pilar, para dizer que havia adorado a sessão. "Como isso alimenta a gente!”
* Maria Fernanda Vomero, jornalista, acompanhou as sessões inaugurais do Tela em Trânsito, na Serra do Cipó.
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